Homenagem ao Professor Galopim de Carvalho

Não tenho mágoas, feliz na profissão e na família, morro de papinho cheio

Aos Ombros de um Gigante é o nome que o Pavilhão do Conhecimento, Centro Ciência Viva, escolheu para homenagear Galopim de Carvalho, hoje, ao fim do dia. O professor universitário jubilado preferiria um título mais modesto, mas agradece, como a todas as homenagens. “Sinto que não foi viver em vão”, diz. No fundo, o que o deixa mais orgulhoso é a relação com o outro: “A relação de afeto, de simpatia, de solidariedade, que marcou toda a minha vida. Não tenho mágoas. Fui feliz na minha profissão, fui feliz na minha vida familiar, morro de papinho cheio.”
Uma vida de 92 anos e que continua bem ativa. “Esta noite pus o Grão Vasco numa conversa muito animada com D. João III , Francisco de Holanda e eu também entrei”. “Esta noite” não quer dizer que se deite tarde, antes pelo contrário, vai para a cama às 21:00. E levanta-se às 04.00 para iniciar mais um dia de trabalho. Correspondência, troca de e-mails, preparação de conferências, de livros, etc. “Sou um escritor compulsivo”.
“É autor de 21 livros científicos, pedagógicos, de divulgação científica, de ficção ou memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas e mais de 150 artigos de opinião em defesa da geologia e do património geológico”, refere a sua nota biográfica na apresentação da homenagem, com início às 18.30 desta terça-feira. E que tem as inscrições esgotadas desde sexta. O que está a escrever, e ainda não tem título (só no fim), é de história. Celebridades de Portugal conversam entre si, com ele a funcionar como moderador.


“O pai dos dinossauros”
Falar de uma vida assim pode ter vários inícios. Por exemplo, como é que se tornou “o pai dos dinossauros”, quando tem formação em Geologia e é sedimentólogo de profissão? E que diz que o conhecimento que tem de Paleontologia é basicamente cultura geral.
“Os paleontólogos deveriam pensar: ‘Então, este não sabe nada de Paleontologia e é quem fala?’. Eram eles que me ajudavam, que me davam livros e revistas que me permitiam falar de dinossauros, mas como cultura geral, nunca como especialista”. E conta uma história. “Estava na Alemanha, em Hanôver – fui visitar o parque jurássico – quando foram descobertos os embriões de dinossauros na Lourinhã. Uma televisão de Munique quis entrevistar-me, pensando que era a minha equipa que tinha descoberto os ovos”, diz dando uma gargalhada.
O cognome vem dos tempos em que era diretor do Museu Nacional de História Natural, da Universidade de Lisboa (UL), onde lecionou entre 1961 e 2001. Foi quando descobriram as pegadas numa pedreira de Carenque (Sintra), em finais dos Anos 90 do século passado. Galopim de Carvalho moveu “montanhas” para que fossem preservadas. A palavra de ordem eram “Salvem as pegadas de Carenque”.
Conseguiu que construíssem dois túneis sob as pegadas, inaugurados em 1995. Classificadas em 1997 como Monumento Natural, tem um projeto de museologia aprovado desde 2001 e que está na gaveta. A luta dura até hoje (ver texto ao lado).
Galopim de Carvalho esteve mais de 30 anos à frente do Museu, onde dirigiu diversos projetos de investigação nas áreas da Paleontologia dos dinossáurios e de Geologia Marinha. E promoveu muitas exposições, que provocaram longas filas na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, onde se encontra.
Outra história. A primeira exposição de dinossauros foi em 1992 e
veio do Museu Britânico, Londres. “Dinossauros Robots” foi um grande sucesso, teve 360 mil visitantes em 11 semanas. “Chegou a ter nove mil visitas por dia. Os ingleses pediram 18 mil contos pela cedência da exposição, dinheiro que a instituição não tinha e fizeram um acordo: dariam metade do dinheiro da bilheteira. Fizeram 82 mil contos e, no final, só pensavam no que tinham conseguido se tivessem pago o valor inicial. Mesmo assim, foi um bom balão e ficámos com um fundo de reserva para outras exposições”, recorda.
Namoro de 65 anos
Outro início poderia ser na família. Galopim de Carvalho nasceu em Évora, a 11 de agosto de 1931. Conheceu a mulher, Isabel Fialho, aos 12 anos, no Liceu de Évora (atual Escola Secundária André de Gouveia), frequentavam o mesmo ano, têm a mesma idade. “Às tantas, demos conta que estávamos namorados, não me lembro de lhe pedir namoro. Tive muitas namoradas e, aos 18 anos, começámos a andar juntos. Namorámos 10 anos, daqueles com uma grande distância um do outro, para ir ao cinema, tínhamos de levar a avó. Era uma coisa tão estúpida!”
Isabel Fialho foi professora de Educação Especial e tem-no acompanhado nesta longa jornada. Têm dois filhos e três netos. “São 65 anos de vida”, comenta Galopim.
Levanta-se da cama às 04:00 horas, faz uma caneca de café e senta-se em frente ao computador. Às 06:00, Isabel leva-lhe o pequeno-almoço: uma chávena de leite com chocolate e duas torradas com manteiga. Galopim continua a trabalhar até às 11:00, quando vai para a cozinha fazer o almoço. “Sempre gostei de cozinhar, faço comida alentejana. É a comida de base e que depois vou inventado: alho, azeite, poejos, que me trazem do Alentejo”.
Voltam aos afazeres diários, O “pai dos dinossauros” escreve ou lê para posteriormente escrever. Janta uma “sopa, um pedacinho de queijo e fruta”. Às 19:00 horas volta ao trabalho, mais uma horita.
Geólogo e geomorfologia
A formação académica e profissão também dá um bom início de vida. “Nunca fui um bom aluno, passava de ano à risca, fazia tudo para não ir às aulas. Andava metido na oficina de carpintaria e na mercearia dos meus tios, gostava daquele ambiente. No liceu, só fui bom aluno a Desenho e a Trabalhos Manuais, também a Francês e a Ciências Sociais, gostava dos professores”, conta. Resumindo: era bom no que lhe interessava.
Das Ciência Sociais , ficou-lhe o bichinho da Geologia, mas não foi o curso em que se inscreveu quando foi para a universidade. “Fui para Biologia porque o meu pai disse que a Geologia não tinha futuro. Fui contrariado, estive até ao 2. º ano, andei a apanhar bonés”.
Acabou por ser chamado para a tropa, entrou como miliciano e saiu oficial. “Como não estudava e não tinha nada para fazer, fui ficando. Até que me meteram na rua”.
Vem para Lisboa e matricula-se como trabalhador-estudante em Ciências Geológicas, na UL. “Tinha 26 anos, fui fazer o que queria. Fui muito bom aluno e terminei a licenciatura em 1961”. Curiosamente, ou talvez não, os dois filhos formaram-se em Geologia, muito por influência do pai. “Tive-os como alunos, houve situações muito engraçadas”. E acabaram por seguir outro caminho. O Nuno Galopim de Carvalho é jornalista e escritor; o Rui Galopim de Carvalho, gemólogo e escritor.
O pai Galopim especializou-se em Sedimentologia, a ciência que estuda as partículas derivadas da erosão de rochas ou de materiais biológicos. E em Geomorfologia, que analisa as formas da superfície terrestre. O professora chama-lhe “lixo”, mas este é precioso. “Esse lixo acumula-se em bacias, na terra ou vai para os rios. Estudo essas partículas e consigo perceber a evolução do relevo da montanha. Faço a investigação geomorfológica estudando a sedimentação. E também se investiga o clima presente nessa evolução”.
É assim que chegou às pegadas da Carenque, podendo esta história volta ao início do texto.
Galopim de Carvalho é professor catedrático jubilado, toda uma vida académica na Universidade de Lisboa, no departamento de Geologia. Integrou diversos organismos nacionais e internacionais, nomeadamente a comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO.
Colaborou com os Serviços Geológicos de Portugal, criou e dirigiu o Laboratório de Sedimentologia do Centro de Estudos Geográficos, do Instituto de Geografia da Faculdade de Letras de Lisboa, entre 1965 e 1981. Foi consultor científico da RTP e da SIC para séries de divulgação científica.
Tantas são as distinções, que dariam uma lista extensa descrevê-las, também os eventos que o homenageiam. Fica o registo de duas escolas com o seu nome: Escola EB. 2.3, Professor Galopim de Carvalho, em Queluz, e Escola Básica Galopim de Carvalho, em Évora.
“Aos Ombros do Gigante, Homenagem a Galopim de Carvalho, decorre no auditório Mariano Gago do Pavilhão do Conhecimento, integrando a exposição Dinossauros, O regresso dos Gigantes, patente até setembro. Serão partilhadas fotografias da vida pessoal e profissional e a bibliografia de Galopim de Carvalho, culminando no vídeo Uma vida gravada na pedra”.
Participam como oradores, Conceição Freitas (geologia, UL) e o paleontólogo Octávio Mateus (Universidade Nova), ambos colegas e alunos de Galopim de Carvalho. E dois jovens amantes da Paleontologia: Miriam, 6 anos, o Diogo, 13.

Diário de Noticias: Texto CÉU NEVES